sexta-feira, 15 de agosto de 2014

São Paulo 2x2 Palmeiras - Rio-São Paulo 2002

GRANDES PALMEIRAS x SÃO PAULO
Esse final de semana tem Choque-Rei e por isso pedimos a sãopaulinos e palmeirenses que contassem qual jogo entre as duas equipes foi especialmente marcante para eles.

Pedro De Luna escolhe um improvável São Paulo 2x2 Palmeiras no Rio-SP de 2002 (o jogo decidido nos cartões) e tem ótimos motivos para isso:

"Aquele São Paulo x Palmeiras em que eliminamos os caras por cartões, na semifinal do Rio-SP de 2002 é certamente minha lembrança mais forte do Choque-Rei.

Eu mal me lembro do jogo em si e tenho um bom motivo pra isso. Tinha 13 anos na época e consegui o privilégio de entrar com os jogadores em campo. O primeiro jogo, se não me engano, tinha sido 1x1, com gol do Rogerio, e eu também tinha entrado com o time, pela primeira vez na vida - naquele dia, adentrei o relvado com o Emerson, zagueiro de triste lembrança para nós, tricolores.

Para tanto, você precisa ir vestido com o uniforme completo. Eu fui, mas levei uma blusa preta pra pôr por cima. Meu pai parou o carro, sabe-se lá por que, num lugar meio afastado do estádio, algo como uma zona mista, que nos obrigava a passar pelo meio da torcida do Palmeiras pra entrar - e lembremos que eram tempos em que a divisão de ingressos era 50-50%... Pois bem, quando passava no meio da massa alviverde, ouvi algumas piadas, uns "eae viadinho", mas tudo num clima light. Entrei tranquilo.

Fui para a área onde os mascotes aguardavam a liberação pra entrar no campo, ali onde o ônibus para. Só tinha pivetinhos e eu era o mais velho. Fiquei circulando, me lembro de ter visto Pedro Bassan, repórter global, passando blush (sim) no rosto e de ter cumprimentado o Luizão, então massagista do São Paulo e da Seleção Brasileira na Copa de 94. Ele acenou com a cabeça como quem estranhava muito o fato de um pré-adolescente saber o seu nome e seu rosto.

França, meu grande ídolo da vida, já estava negociado com o Bayer Leverkusen, e meu intuito era, a qualquer custo, entrar com ele. Fiquei muito triste quando soube que ele foi vetado pela lesão no adutor que sofreu no meio daquela semana, quando perdemos pro Corinthians pela semifinal da Copa do Brasil. Me posicionei na boca do túnel e o primeiro a subir foi Fabio Simplicio, que, eu observei, tinha ficado orando sozinho dentro do túnel por uns 3 minutos, antes de ser abraçado longamente pelo Milton Cruz, que lhe passava palavras de força. Simplicio subiu dando um berro a plenos pulmões, o que provavelmente assustou todos aqueles fedelhos esperançosos.

Kaká foi o segundo a subir e eu fui junto com ele. Vieram mais uns 8 mascotes nesse rabo de cometa e eu falei "Vai pra cima do Magrão, Kaká. Pra cima do Magrão!". Ele meio que ignorou. O time tirou foto e eu fiquei ali, junto, no bolo, e jamais me esqueço que Reginaldo Cachorrão comentou com o Sandro Hiroshi - ambos reservas: "Ô Sandro, esse aí já tem tamanho pra entrar no campo com a gente, hein?". Hiroshi e eu rimos. (mal desconfiava o Cachorrão do quão irônico era fazer piadas com idade com o Sandro Hiroshi)

Fim da Parte I

Parte II
Começou o jogo e eu fui pra cativa assistir com meu pai e meu primo, 2 anos mais velho. Lá, a maioria era são paulina, mas tinha muito palmeirense também. O jogo foi tenso, como muitos lembram, cada cartão amarelo era comemorado feito um gol pelas arquibancadas (proj. Eduardo José Farah) e, em dado momento de desvantagem, a torcida perdeu a paciência com o Kaká. A cativa, como eu tão bem sei, começou a xingá-lo de tudo que é possível. Eis que um cara se levanta e manda pararem. Ninguém parou. O cara levantou de novo e falou "porra, olha aqui, essa aqui é a mãe dele, e aqui o pai e o irmão!". Os gritos de filha da puta nem assim cessaram.

No fim, o São Paulo passou, e meu pai quis ir embora assim que o juiz apitou. Eu disse: "Opa, nem fodendo. Eu tô aqui com esse uniforme completo do rival que acabou de eliminar os caras, e você vai obrigar teu filho a passar no meio do furacão?". Ele concordou. Ficamos nós 3 lá dentro esperando, por 1 hora ou um pouco mais. Quando saímos, o estádio estava vazio, completamente. Já estava escuro, descemos a rampa, passamos pela Jules Rimet também vazia e eis que, das TREVAS, surge um cara de 1,90m e pouco, olhar mau, camisa da Mancha Verde, atravessando a rua na nossa direção. "Tio, tio, deixa eu ver esse calção do moleque aí!". Eu estava com o moletom preto por cima da camisa do São Paulo, mas o calção branco, cujo símbolo eu tampava com a mão, parecia ter me entregado. Meu pai (nota da redação: 1,71m de altura) tomou a frente e falou: "Você não vai ver nada não". O cara parecia fabulosamente dopado, meu primo também ficou na frente, meio que me escondendo, e eu vi mais 2 caras da Mancha atravessando a rua na nossa direção.

Nem pensei. Sem meu pai e meu primo verem, saí correndo de volta para o estádio. Estava claro que ali ia dar merda. Tenho certeza absoluta que, se eu competisse nos 100m rasos olímpicos naquele momento, no mínimo um bronze eu ganhava. Corri pela minha vida, como nunca, desesperado, sem olhar pra trás. Os dois da Mancha vieram atrás. Subi a rampa de volta - dessa vez pras arquibancadas, e, para meu desespero, não havia uma alma viva lá dentro. Consegui despistá-los e, ofegante, deitei num degrau da arquibancada, me escondendo. Deu uns 2 minutos, eles me acharam.

Olhei pros caras, deviam ter seus 22/25 anos, uma puta cara de tontos, e me senti meio que como o Macaulay Culkin em "Esqueceram de Mim". Pensei comigo mesmo que eu tinha que medir muito bem as palavras e jogar um peso na consciência deles. Falei: "Caras, eu não fiz absolutamente nada pra vocês, não sou de organizada, não tô provocando ninguém, só queria ir pra casa com a minha família. Não estraguem a vida de vocês fazendo isso com uma criança, ainda mais dentro do estádio. Vocês devem ter família também". Eles se entreolharam, cochicharam algo e falaram: "Dá o uniforme aí". Eu dei a camisa. "Todo!". Eu tive que dar o calção e o meião também. Sabe-se lá como, meu pai e meu primo me acharam lá dentro, e eu estava de cueca dentro do estádio do Morumbi. Uma cena completamente surreal. Pra ir embora, tivemos que bater numa daquelas portas nos aneis laterais do estádio, onde ficam os vendedores de pipoca, amendoim, picolé e salgadinhos. Peguei um avental emprestado deles pra ir até o carro e vazei.

Ao saber do incidente, meu outro primo palmeirense, 11 anos mais velho, ficou transtornado, em choque mesmo. Ele veio um dia daquela semana e falou: "Peraí só um pouquinho". Foi buscar algo no quarto dele. "Toma". Era uma camisa do Palmeiras, daquela listrada, da Parmalat, original, do Evair, e uma tesoura. E disse: "Pode rasgar. Essa merda não tem mais valor pra mim. Filho da puta nenhum vai levar meu primo de mim". Apesar do lindo gesto, eu não rasguei a relíquia dele.

CAUSOS DA BOLA."

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Erros defensivos na 1a rodada da Copa

Nessa primeira semana de Copa me chamou a atenção a quantidade de vezes em que via as linhas defensivas tortas, normalmente com 3 jogadores alinhados e o quarto fora de lugar, "perdido". Como o primeiro jogo no qual notei isso foi no Holanda 5x1 Espanha escolhi este jogo para analisar, embora tal erro tenha se repetido em diversos jogos deste início de mundial (acabo de ver Austrália 2x3 Holanda pela 2a rodada do Grupo B, no qual o 2o gol holandês nasce de uma não-linha de não-impedimento australiana, por exemplo).

Inicialmente "inocentei" a Holanda, que por jogar com 3 zagueiros conta com um líbero que fica na sobra e se posiciona atrás dos demais. No entanto este esquema requer um bom sistema de compensações e movimentações, seja porque um dos zagueiros sai no bote ou ajuda o meio-campo, seja porque um dos alas se alinha à zaga e forma a famosa linha de 4. Abaixo mostrarei como esse sistema falhou e quase custou o jogo para os holandeses.

Antes, no entanto, ilustro como as linhas defensivas ainda não se acertaram nessa Copa. O lance é o golaço de Van Persie, que empatou a partida no final do 1o tempo. Trata-se um gol muito mais técnico (o primoroso lançamento de Blind e o genial peixinho de Van Persie) do que tático, porém há um erro de posicionamento da defesa espanhola.

(sempre colocarei o flagrante tático ANTES e comentarei DEPOIS. Ao final da análise o link para o vídeo do lance)



Reparem como o zagueiro da La Roja coloca-se atrás de Robben, enquanto os outros 3 alinham-se e deixam Van Persie "impedido". Graças a isso, o holandês tem condições de jogo e pode partir em velocidade rumo à área. Blind, que estava com a bola dominada de frente pro lance, percebe a situação e o resto é colírio pros olhos.




Erro de cobertura:
O segundo erro, aquele ao qual já me referi, da Holanda, é o do lance anterior a este gol. Quem assistiu o jogo provavelmente se lembrará: Iniesta acha David Silva livre, que fica cara a cara com o goleiro e dá uma cavadinha, mas Cilessen termina desviando a bola.



Percebam como não foi um passe milimétrico daqueles que encontra espaço onde não há e desmonta uma defesa bem postada: há um enorme buraco ali.


Tudo começa no campo de defesa espanhol, quando David Silva se aproxima e é seguido por De Jong, o volante daquele lado.




Com o avanço da marcação holandesa, que tenta marcar a saída de bola espanhola (o que era necessário, dado o placar até o momento, e extremamente conveniente para La Roja, dado seu estilo de jogo) De Jong "passa" a marcação para o zagueiro Indi (reparem que ele até sinaliza isso com o braço).



Quando Silva chega ao outro lado do campo, Indi passa a marcação para De Guzman, que joga na direita, e volta para sua faixa do campo.



O problema é que com De Jong tendo ficado lá na frente após a tentativa de marcar a saída de bola, Indi voltando pra esquerda e De Guzman acompanhando Silva, Iniesta tem todo o campo a sua disposição.



A solução é De Vrij sair no bote, e é aí que falha o sistema de compensações holandês. De Guzman, por falha individual ou por não perceber que seu zagueiro tinha abandonado a posição para dar combate no meio, deixa de acompanhar David Silva. Iniesta percebe a falha, evita De Vrij com um corte e lança seu companheiro. Vlaar (o líbero) preocupado com Diego Costa (que também ajuda puxando a marcação) não percebe a jogada e ainda dá condições a David Silva, que em velocidade recebe livre de frente pro gol. Se a bola tivesse morrido no fundo das redes provavelmente o primeiro tempo terminaria 2x0 e a história do jogo (e da Copa) para os atuais campeões poderia ter sido bem diferente (ou não).

Para que tal situação não tivesse acontecido, De Guzman poderia ter acompanhado David Silva até o final, Vlaar poderia ter ocupado o lugar de De Vrij quando este saiu à caça (formando uma linha de 4 com Indi e os alas, deixando Diego Costa em impedimento e a cargo de seu companheiro de zaga) ou De Guzman poderia ter dado combate em Iniesta e deixado Silva a cargo de De Vrij. O fato é que nenhuma das opções foi adotada, o ataque espanhol envolveu a defesa holandesa e quase "mata" o jogo.


Erro de adaptação / reação:
Por último, ilustro um erro de atenção / adaptação. Por incrível (e, para mim, doloroso) que pareça trata-se da experiente e copeira seleção uruguaia. Em sua estréia contra a Costa Rica o Uruguai saiu na frente, mas minutos depois de tomar o gol de empate cedeu a virada numa falta central na intermediária. A questão é que tal situação (uma falta nesta região) já havia acontecido duas vezes no jogo e em ambas a Costa Rica havia levado perigo à meta de Muslera da mesma maneira: uma bola esticada no bico da pequena área do segundo pau, daquela que os defensores tem dificuldade de tirar por serem difíceis de alcançar e que um toque do atacante pode ser mortal.


Na primeira falta, o costa riquenho ajeita para trás e seu companheiro erra o chute.


Na segunda, o atacante sobe livre entre Lugano e Godin e obriga o goleiro a uma difícil defesa


E na terceira a bola passa a centímetros da chuteira uruguaia e encontra a cabeça (impedida) de um adversário, que acerta um belo efeito nela e vira o jogo.

Link para o relato do jogo na GloboEsporte, já que a dona fifa tirou todos os vídeos do youtube

Conclusão:
O interessante é que na Copa passada eu já havia notado um desentrosamento das equipes no começo do torneio, no entanto o efeito foi inverso ao de 2014. Na África do Sul os times decidiram se fechar e evitar gols, acertar a casa e apenas com o passar dos jogos e sua evolução tática se preocupar em atacar, produzindo jogos sofríveis e com baixa média de gols nas primeiras rodadas da Copa. Por aqui a maioria das equipes terminou explorando as fragilidades de seus adversários, mesmo que para isso tenham deixado suas fraquezas mais expostas.

Bom para o espetáculo, bom para o público e, por que não?, bom para o futebol

Paralelamente à nossa fanpage estamos fazendo um blog com nossos relatos de jogos que vimos no estádio, contando a experiência de quem pôde ir a um jogo, desde como está a cidade até como foi a torcida durante a partida: é o Sem Firulas na Copa. Quem puder compartilhá-lo, agradecemos

E se você gosta de analisar partidas, o 4dFoot está colocando todos os jogos da Copa para download. Use e divulgue!

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O dia em que descobri o capitalismo

por Pedro De Luna

O DIA EM QUE CONHECI O CAPITALISMO (AOS 9 ANOS)

Era uma vez um menino um pouco mais apaixonado do que o normal por este esporte bretão chamado futebol. Esse menino no caso era eu, mas a bem da verdade poderia ser qualquer outro. Contudo, o que aconteceu comigo lá naquele longínquo início de 1998 talvez seja uma daquelas coisas grandiosamente bobas que só acontecem na vida de uma única pessoa na galáxia mesmo. Ou quiçá, pensando melhor, aconteçam na vida de muitos, mas só alguns são supersticiosos ou bitolados o bastante pra enxergarem no ocorrido uma espécie de metáfora para o futuro, enquanto outros - os mais normais - tratam aquilo como rotina e o deletam de sua memória. Só que, meu amigo, nessa vida nada é fato corriqueiro se a gente não quiser que seja.


Enfim, vamos à história? Sim, vamos.



Eu havia recém mudado para um novo colégio e, como tal, ainda não tinha muitos amigos por ali. Não era um quadro desesperador, eu não sofria nem praticava bullying, eu não tinha nenhum destaque especial em quase nada e francamente eu estava achando aquele novo colégio uma bela merda. A vida inteira, tinha estudado à tarde e era muito difícil pra mim de uma hora para outra passar a acordar todo dia às 6 da manhã, a tempo de ver o Telecurso 2000, ouvir o galo cantar, ter de vestir um moletom azul marinho meio brega com um símbolo de uma cruz de malta vermelha no peito e sair pra aula no meio do relento da madrugada. Não era pra mim isso não.

Na vida, comecei a colecionar figurinhas muito cedo. Tive o álbum do Brasileiro de 93 e de 95, por exemplo. Me lembro de, molequinho de tudo, voltar da aula no fim da tarde e esperar ansiosamente meu pai chegar com um monte de pacotinhos - que em 93, no auge da inflação, calculo que deviam custar uns 2 milhões de cruzeiros reais cada um. Eu abria aqueles envelopes verdes com a sofreguidão e o desespero de um viciado em crack e colava aquelas figurinhas com COLA TENAZ no álbum, num ritual aliviante.

Mas havia um problema: na época do álbum do Brasileiro de 93, eu tinha 5 anos de idade. Que outras crianças de 5 anos idade em sã consciência estariam colecionando aquelas figurinhas de gente um pouco mais velha, em vez de estarem assistindo Jiraya e Mundo da Lua, e pedindo pros seus pais comprarem a tesourinha do Mickey? Eram poucas. Contava-se nos dedos. E álbum de figurinhas tem que ser moda, senão não tem jeito. Em outras palavras: eu não tinha com quem trocar as figurinhas. Não tinha contato com os moleques mais velhos e, logo, não consegui completar esses álbuns.

Mas aí veio a Copa de 98 e o seu magnífico álbum. Delineei como meta, decretei em casa que esse álbum sim, eu iria completar. Meu pai cooperou. Trazia todos os dias religiosamente uns 7 pacotinhos. De vez em quando uns 10. Pra uma criança, isso é o joie de vivre em seu estado puro. São os inconscientes delírios do consumo, acho. E isso virou uma febre lá no colégio. Nos 15 minutos dos dois recreios diários, todo mundo descia e formava uma espécie de 25 de Março no pátio. Crianças com bolos enormes de repetidas negociando trocas enquanto outras escolhiam adversários pra bater bafo. Eram muitas, dezenas, se bobear mais de uma centena.

Bater bafo. Taí algo em que eu nunca fui bom, como praticamente tudo que envolva habilidades manuais. Sempre evitei e negociei minhas figurinhas repetidas no boca-a-boca, persuadindo todo mundo na política da boa vizinhança. Digamos que esse era meu jeito de fazer diplomacia e eu considerava bater figurinhas algo meio marginal. As trocas de figurinhas eram negociadas de maneira muito acirrada, rolava uma certa tensão no ar, um clima de animosidade, afinal as crianças estavam aprendendo a lidar com os conceitos de oferta, demanda, senso de oportunidade etc.

Pois bem, passaram-se algumas semanas e minha coleção só aumentava. Além da grande contribuição paterna, eu acho que era bom mesmo na lábia de conseguir trocar as que eu queria. O bolo de repetidas já não cabia mais em um elástico e eu descia pro recreio com dois amontoados gigantescos de figurinhas nos bolsos, era ridículo. Eis que um mágico dia, percebi que me faltavam apenas 4 míseros cromos para completar o álbum. No dia seguinte, consegui mais dois. No outro, mais um. Faltava então UMA figurinha. E recebi uma notícia do meu colega de classe: "Cara, você vai ser o PRIMEIRO DO COLÉGIO a completar o álbum!".

Parentesis. Vocês têm noção do quão MANEIRO é ser o primeiro ser vivo do colégio, entre centenas, a completar o álbum? Você pode não dar a mínima pra ninguém naquele ecossistema, mas por algumas semanas você vai se sentir numa casta superior em meio a um bando de dalits sem valor e, para uma criança de 9 anos, isso é perigosamente educativo e obsessivamente instigante. Fecha parentesis.

A figurinha que me faltava para ganhar essa Corrida Espacial da Guerra Fria era a número 288, nunca me esqueço. Um zagueiro da Bulgária chamado Guinchev. "Alguém tem o Guinchev? Alguém tem o 288?", eu saía perguntando. Ninguém tinha. E a pressão social só aumentava: "O Guilherme da quinta série tá com duas figurinhas faltando só. Ele vai completar antes de você". Não, ele não vai. Ninguém tinha a maldita figurinha do Guinchev no colégio, talvez por alguma conspiração da Panini contra mim, mas eu estava disposto a dar um jeito, seja lá qual fosse.

O meu drama durou precisamente dois dias. Até ali, o Guilherme da quinta série (figura que, diga-se de passagem, eu nunca conheci) já tinha conseguido uma das duas que lhe faltavam. Ou seja: tinha empatado comigo. Era um jogo com prorrogação com direito a golden goal, um teste pra cardíacos, como diria Galvão Bueno.

Naquele dia, meus olhos marejaram quando fiquei sabendo que um menino - cujo nome esqueci - da terceira série (portanto, uma série abaixo da minha) tinha a tal da figurinha do Guinchev. Fui correndo falar com ele, era um assunto de Estado, de suma importância, e por ele ser um ano mais novo, a conversa tendia a ser mais fácil, né? Cheguei no pátio e encontrei o rapaz. Ele tinha um sorrisinho petulante no rosto e logo percebi que a negociação não seria simples. Ele sabia da minha necessidade. Ofereci 5 figurinhas - ele não aceitou. Ofereci 8 - não topou. Ofereci então 12, uma oferta monumental, que ia ajudá-lo muito, e ele manteve seu sorrisinho de Monalisa. Que desgraçado. Parti para a oferta final. Eu, que sem querer havia me tornado um magnata russo com minhas petro-figurinhas, um Roman Abramovich da escola, ofereci àquele rapaz a bagatela de QUINZE figurinhas repetidas, em troca do Guinchev.

Ele aceitou e tive certeza que esse "Sim" dele me gerou mais felicidade do que algum dia, eventualmente, um "sim" da minha futura esposa me geraria. Eu ganhei. Colei a figurinha mais importante da minha vida e vivi uma semana como um mito no colégio. Provavelmente eu não distribuí nenhum autógrafo pra ninguém nem postaram fotos no Instagram comigo (considerando que estávamos em 1998, é bem provável que não mesmo), mas nos meus sonhos tudo isso aconteceu.

Uma semana depois, ninguém mais se lembrava daquele feito. Eu já estava usando desmotivadamente aquele uniforme brega de novo, assistindo o Telecurso 2000 de novo e tudo mais. Mas o Guilherme da quinta série, esse sim, vai lembrar disso pra sempre. Mal aí, Guilherme. 

domingo, 18 de maio de 2014

Bragantino 2x0 São Paulo: A melhor pior estréia que se pode imaginar

Eu tenho um apreço especial por estréias. Além de todo o simbolismo que podemos tirar delas, seja na hora do jogo ou ao final da temporada, gosto do encontro dos times com sua torcida pela primeira vez no ano, das especulações de como o técnico montará a equipe agora e de todas as possibilidades que projetamos ali, mesmo que a probabilidade diga que aqueles serão os 90 minutos mais desorganizados de nossa equipe no campeonato.

Quando fiquei sabendo que o tricolor estrearia contra o Bragantino no Marcelo Stefani (tecnicamente o estádio agora se chama Nabi Abi Chedid, nome do patriarca que sorrateiramente controla o time, a cidade e a imprensa local há décadas, mas para mim ele terá sempre o nome daquele que doou o terreno para a construção da casa bragantina) me programei para visitar o interior paulista e comer um sanduíche de linguiça.

Bragança Paulista: um bom refúgio para o futebol
Passando por Mairiporã o 102,1 do rádio deixa de transmitir a Kiss FM e automaticamente sintoniza a rádio bragantina (controlada pela família Chedid), nos incentivando a arriscar um pouco mais nas tortuosas curvas da Fernão Dias e chegar logo a nosso destino. Além de falar bem do Massa Bruta (sim, esse é o apelido do Bragantino) e dar diversos detalhes de como o técnico deve armar o time (muito mais do que temos aqui na capital, por sinal) o Pesadão (sim, esse é o apelido do narrador), entre um elogio ao partido dos Abi Chedid e uma crítica à oposição, vai criando um clima de jogo interiorano: importante e tenso, como todo jogo de futebol deve ser, mas sem as desnecessárias seriedades que experimentamos ao ir ao Morumbi, por exemplo.

Chegando em Bragança tudo parece normal, até chegarmos ao lago do Taboão, há exatos 2.500m da entrada da cidade. Ali já se vê flanelinhas (vindos de São Paulo) guardando lugares suficientes para 2 lotações do jogo, inclusive a vaga da casa de um amigo meu na qual eu planejava estacionar meu carro. Impedido pela máfia flanelística paulista, me dirigí à rua adjacente à principal, mais próxima do Marcelo Stefani, onde havia lugares vagos de graça. De lá subi a pé a última ladeira antes de avistar o local no qual aqueles mesmos times tinham decidido o Campeonato Brasileiro 23 anos antes.

Marcelo Stefani: onde todas as gerações se encontram
Não foi difícil encontrar o Serginho (esqueci de contar-lhes a respeito do Serginho: um amigo meu de uns 60 e poucos anos que mora em Bragança e me ensinou que Canhoteiro era tão bom quanto ou melhor que o Garrincha) e de lá rumamos para o portão 2, por onde habitualmente entra a torcida das numeradas (ou arquibancadas cobertas, vendidas a R$ 40,00  e que dão direito a comprar o carnê pro resto do campeonato por R$ 20,00). Infelizmente neste ano alguém decidiu resolver o problema de brigas entre locais e visitantes que nunca existiu e dividiu a a numerada ao meio, o que nos fez ser barrados na catraca.

Enquanto nos informávamos a respeito do novo portão para os são-paulinos começamos (o Serginho começou, eu sou tímido demais para começar uma conversa com um desconhecido, apesar do futebol ajudar nesse aspecto) a bater papo com um senhor com a famosa camisa da época de Mauro Silva, Luxemburgo e cia, expressões de quem havia muitas histórias pra contar e uma simpatia invejável. Tratava-se de um são-paulino que havia nascido e crescido em Bragança e, mais do que isso, jogado no time da cidade nos idos dos anos 50. Infelizmente alguém "lá de dentro" logo apareceu liberando sua passagem, de modo que só pudemos ouvir dois causos de nosso interlocutor antes de sairmos em busca de nossa nova entrada, sem nem mesmo anotarmos seu nome e em que ano exatamente fez parte do esquadrão local. Me martirizo até agora por esse irreparável erro jornalístico (não estou acostumado a ser jornalista), mas tento dormir pensando que se tivesse seu nome, o Google provavelmente me contaria que eu não tive uma conversa com alguém tão interessante e importante pra história do Braga quanto eu de fato tive, o que seria uma decepção ainda maior.

A entrada lateral era uma completa gambiarra, e exatamente por isso funcionava: as filas de dois setores se misturavam para se desmisturar na boca das catracas, separadas por cercas de arame e um amontoado de material de construção (que provavelmente seria usado para finalizar as obras da arquibancada descoberta até o final do Paulista). Na revista os problemas de sempre, em especial quando a organizada está com você: pode isso, não pode aquilo, boné com tal símbolo é proibido, a menos que você tenha carteirinha com não sei qual outro, etc.

Ao sentarmos no confortável (pelo menos até os 15mins do 1o tempo) e rústico cimento das numeradas comecei a imaginar que futebol era aquele que permitia que um Campeonato Brasileiro se decidisse ali, num estádio tão simples e que possibilitava que o futebol fosse vivido tão cruamente. Quando me preparava para passar a linha entre saudosismo do bem e saudosismo do mal, voltei à realidade com uma boa notícia: a confirmação de que teremos pelo menos mais uma geração apaixonada por este jogo. Um homem e seu pai que estavam sentados atrás de nós viram seus dois descendentes subirem aqueles enormes degrais com uma facilidade só acessível a menores de 16 anos gritando "Pai, pai, eu vi o Rogério Ceni de perto!", "E o Ganso, vô!"

Estréia, estréia, futebol a parte

De dentro do campo pouco a acrescentar, se entramos no jogo com esperanças do que Muricy nos traria para este ano, empolgados com novos jogadores e sedentos por uma apresentação tricolor, saímos de lá tentando nos convencer de que aquele jogador que havia assinado há 6 meses mas só pôde estrear agora - e que valia a pena tanta espera - só tinha tido um dia ruim, mas que ainda resolveria nosso problema na lateral direita. A apresentação tricolor virou alvi-negra (com toques amarelos), com um contra-ataque extremamente bem treinado (desde 17 de Dezembro do ano passado, diga-se de passagi) que matou o jogo e nos mostrou que o ano é novo, mas os problemas são velhos. Que venha o próximo jogo!

quarta-feira, 12 de março de 2014

Não deixem que a CBF combata o racismo

Todo texto que propõe raciocínios fora do padrão "Racismo é a pior coisa do mundo --> órgãos responsáveis pelo futebol tem que agir --> toda punição é válida" precisa de um aviso para ser lido. Aqui vai o meu:
O racismo é detestável, inaceitável e me causa profunda tristeza e vergonha como membro da sociedade e animal (ser humano) que o pratica, mas eu não acho que a solução passe por sanções da CBF, CONMEBOL, FIFA, etc.
Aviso dado, gostaria de provocar a discussão de qual é o problema do racismo. "Discriminar alguém por causa da cor da pele" é o ato que nos causa náusea, mas o problema está nas consequências dele: o alvo do insulto se sentir mal e envergonhado por ter nascido negro e aqueles à sua volta esperarem (no sentido de "antecipar" e não necesseriamente de "gostar") que ele se sinta assim. O fato de alguém acreditar que alguma "raça" seja inferior, externalizar isso e tentar, assim, diminuir outro ser humano nos deixa putos, arrasados, deprimidos, etc.

A partir disso, eu acredito que o problema do racismo só estará resolvido quando chamar alguém de "macaco" for tão ofensivo quanto chamar um branco de "leitoso", alguém que usa óculos de "quatro-olhos", etc. Quando for algo infantil, bobo, sem qualquer sentido. Quando uma pessoa chamar o outro de macaco com o intuito de ofender e todos ao redor pensarem "quantos anos tem essa pessoa?", quando sentirem pena do insultor e não do insultado, quando rirem ao saber de uma situação dessas, poderemos dizer que vivemos num mundo sem racismo.

É claro que enquanto não chegamos lá temos que agir contra casos de racismo, como os que vem acontecendo este ano no futebol brasileiro/sulamericano. Mas vejo dois motivos para procurarmos soluções mais inteligentes do que multar e tirar mandos e pontos das equipes cujas torcidas proferirem insultos racistas.

O primeiro é que cria-se um tabu que somado ao descrédito dos órgãos dirigentes corre o risco de ser visto como algo divertido, valente e corajoso de ser quebrado. Ao invés de se discutir (a falta de) fundamentos daquela ação e porque aquilo é errado, proíbi-se e pune-se, criando mais raiva que consciência. Como a CBF não é vista como representante da sociedade (e muito menos expressão desta), também não se passa o recado de que todos acham aquilo errado, mas sim de que não pode e pronto. Assim, deixamos de nos aproximar daquele mundo onde acreditar no racismo é visto como atraso mental e passamos a torcer para que ninguém mais toque no assunto para não termos que lidar com ele.

O segundo é que cria-se um precedente que dificilmente encontrará argumentos racionais e objetivos para não ser aplicado a outros casos. É muito fácil para um grupo anti-homofobia pleitear que determinado clube seja punido porque sua torcida chamou um jogador adversário de "viado", o que pode até ser legitimo mas não é concenso como o racismo (e dizer que isso é da cultura do futebol ou que a menos que o jogador seja homossexual assumido não tem problema não são argumentos convincentes). Um grupo de defesa dos valores gaúchos também poderia equiparar gritos de "gaúcho viado" a ofensas contra nordestinos (que na nossa cabeça são completamente diferentes, mas dificilmente o seriam perante a lei) e pedir punições a rodo. O raciocínio se extende a praticamente qualquer grito que se ouça num estádio, seja no Brasil ou na Europa, e no fundo só mostra como ao tentarmos objetivar nossa moral criamos consequências que vão contra ela.*

Como combater o racismo sem criar um tabu nem criar um monstro que se vire contra o futebol depois? A resposta talvez pareça utópica, mas desacreditá-la também é desacreditar no mundo em que pretensamente cremos e queremos salvar: aqueles que acham que uma prática é inaceitável devem demonstrar isso e juntos fazer com que ela seja inviável. Um jogador vítima de ofensas racistas deve ter o apoio de todas as torcidas para que fique claro que chamar alguém de macaco não o faz fraquejar, mas sim fortalecer, um time cuja torcida agiu de maneira preconceituosa tem que ouvir "racista! racista! time de racista!" quando jogar fora de casa. Uma torcida pode ir toda pintada de negro em apoio a seus jogadores, jogadores podem parar partidas caso gritos racistas sejam ouvidos, clubes podem adotar diversas ações para combater o problema e jornalistas podem usar seu espaço para demonstrar que ser racista no final das contas é extremamente bobo. Algumas dessas instâncias já são usadas, mas todas tem que entrar em ação juntas e a cada caso aumentarem de intensidade, para que a sociedade demonstre que aquilo não é aceitável, sem usar órgãos que não tem mais credibilidade nem pra fazer um calendário.

Desse modo, o racista entenderá que o mundo está em desacordo com ele e não que a CBF quer proibí-lo de se expressar (e a CBF proíbe tantas coisas que são legítimas e deveriam ser incentivadas que ficaria difícil distinguir os casos) e estará mais disposto a ouvir e mudar de atitude. E se a sociedade futebolista achasse errado chamar os adversários de viado provavelmente tal atitude se tornaria inaceitável, enquanto "carioca vagabundo" seria aceito caso essa fosse a opinião geral. É uma idéia com raízes anarquistas que num mundo cada vez mais ligado ao que é oficial (em oposição ao que é real e espontâneo) talvez soe estranha, mas no final é só uma retomada a como as coisas funcionariam se os órgãos oficiais não tentassem emular tal processo.


* acredito que nossa moral é subjetiva, mas procuramos critérios objetivos para justificá-la. Como citado, aceitamos xingamentos a gaúchos, mas não a nordestinos. Poderia se argumentar que esses são minoria e aqueles não, mas aceitamos xingamentos homofóbicos num estádio. Um argumento possível é o de que aquilo faz parte daquele ambiente, mas isso abriria precedente para peruanos dizerem que por lá chamar de macaco faz parte do ambiente futebol. Uma saída seria dizer que isso é tão ofensivo que não se aceita que algo assim exista (o que já seria um pouco autoritário, mas tudo bem), mas é público que os rivais do Liverpool chamam seus torcedores de "favelados que comem ratos" e ninguém se ofende a esse ponto com isso. Enfim, quanto mais tentamos definir regras objetivas mais nos afundamos em argumentos ad hoc que dificilmente param em pé. Outro exemplo,  ninguém é a favor do estupro, mas muitos achavam normal gritar para Silvia Regina: "juíza vagabunda, eu vou comer sua bunda e sua buceta, ê, ê, ê, ê, ê, ê, vou chupar suas teta". 

terça-feira, 11 de março de 2014

O gol do São Bernardo

Instigado pelo post de Rai Monteiro fui dar uma olhada no gol sofrido pelo SPFC. A primeira constatação é que, como dito no texto, o SPFC se defendia num 3-5-2 no momento do gol (a "prova" disso é que Paulo Miranda, que num 4-X-X seria o lateral direito estava no miolo da zaga). Essa formação, no entanto, não quer dizer necessariamente que o time se defenda com uma linha de 3 na zaga: como já mostrou o Análises Táticas (do, é sempre bom frisar, ÓTIMO Impedimento) muitas vezes um dos alas (ou até um volante) volta para formar a eficiente e conhecida linha de 4 atrás (o próprio SPFC fazia isso em 2005).

Essa movimentação, no entanto não aconteceu no tricolor, provavelmente por duas razões:
1- Entrosamento: além do início de temporada, trata-se do primeiro jogo do time neste esquema. Além disso Álvaro Pereira chegou há pouco tempo e talvez não esteja acostumado com o padrão de comportamento nessas situações.
2- Ligação direta: o São Bernardo não construiu a jogada, mas chegou ao ataque com um passe do zagueiro para o atacante. Não é demérito utilizar tal artificio, mas sim um grande mérito quando bem executado (como foi no lance analisado, no qual a bola chega pelo chão através de um passe e não de um chutão). Com a ligação direta a defesa do SPFC não teve tempo de se ajustar e foi pega com a calça curta.

Vamos aos flagrantes táticos (desculpem pela qualidade das imagens, mas foi o que foi possível fazer):

O São Paulo marca a saída de bola


No desafogo o zagueiro dá um passe de primeira

A bola chega no atacante (e aí já é possível ver a linha de 3 zagueiros do SPFC. Reparem que Roger Carvalho é quem está na direita e Paulo Miranda centralizado, se fosse uma linha de 4 raramente o lateral estaria no meio numa situação como essa)


O atacante ganha de Roger Carvalho na velocidade (com facilidade, diga-se de passagem). Álvaro Pereira já está longe demais para ajudar na marcação.

A bola é cruzada: numa linha de 4 ou haveria cobertura para que o cruzamento fosse dificultado ou o 4o homem estaria próximo à marca penal
No lance seguinte ao gol Maicon volta pra compor a linha de 4 e o lance não trás perigo à meta de Rogerio Ceni


 Resumindo, o São Bernardo conseguiu sair da marcação sob pressão do SPFC com um passe rápido do zagueiro para o atacante (1o mérito), que fez com que o sistema defensivo do tricolor não conseguisse se recompor como deveria, seja por falta de entrosamento, seja por erros de posicionamentos individuais (1a falha). O atacante ganhou na corrida do zagueiro (2o mérito e 2a falha) e fez o cruzamento na medida para o companheiro que vinha de trás, e não para o que fechava na 1a trave e estava marcado (3o mérito)

Concordam?

EU NÃO QUERO QUE MEU FILHO TENHA UM HERÓI CHAMADO LUCAS POSSIGNOLO

Texto escrito por nosso amigo, colaborador e referência, Pedro De Luna

EU NÃO QUERO QUE MEU FILHO TENHA UM HERÓI CHAMADO LUCAS POSSIGNOLO 

O saudosismo é um sentimento equivalente àquele filtrinho de Instagram meio com cara de bossa nova, uma coisa que dá preguiça logo de cara. Porém, sempre válido ressaltar, é algo diferente de saudade. É, talvez, a objetificação impotente e ranzinza da saudade, esse sim um sentimento que me lembra que tenho sangue correndo nas veias, mas que admito que o mundo continue girando, melhorando de um lado e piorando de outro. O saudosismo não, só admite pioras, recrudescimentos, depreciações, ontens. É, ora pois, a fotografia da inércia. 

Ainda assim, mesmo tentando evitar, ao assistir partidas de futebol profissional ou de base, me flagrei sendo saudosista esses dias. Acho que ainda estou longe dos saudosistas caricatos, como Avallone, Calazans, Morsa e cia., mas é possível que a vida e a paixão pelo futebol que minha retina mirim testemunhou um dia, somadas à mercantilização irrefreada do esporte me levem pra lá, pro panteão dos saudosistas que pararam no tempo e espaço, e ali se fixaram como contentes prisioneiros alheios às novidades. 

Quando criança, ouvi mitos e lendas de jogadores com nomes fantásticos: Luís Fumanchu, Cafuringa, Edu Bala, Aírton Pavilhão, Buião, Careca, Roberto Dinamite, Gilberto Sorriso, Serginho Chulapa, Gilmar Popoca, Tostão, Garrincha, Zico, Pelé... Eles sempre pareciam mais grandiosos e certamente cheios de personalidade do que os "Alfredos Di Stefanos", "Ferenc Puskas", "Paul Breitners", "Sir Bobby Charltons" e outros gringos do nome sisudo e pretensamente imponente. Eles eram quase imbatíveis e escreveram páginas indeléveis da história do esporte (como se esses outros também não tivessem escrito...) 

Aí eu fui olhar pro presente e vi que essas alcunhas humanas e informais ainda persistiam aqui e acolá. Afinal, para cada Marcio Santos que brotava, tínhamos uns seis Didas. Pra cada Flávio Conceição escalado, tínhamos nove Cafus. Eram tempos de Palhinha, Vampeta (pra quem não sabe, a mistura de vampiro com capeta), Tonhão, Ronaldão, Ronaldinho, Zetti, Viola, Muller, Pintado, Dunga, Tulio Maravilha, Beto Cachaça, Donizete Pantera, Iranildo Chuchu... Pra mim, eram marcas registradas, eram autoridades, sumidades, mesmo que fossem autênticos pernas de pau, como o Gralak (eu ouvia esse nome e pensava no Galak, o chocolate branco) ou o Grotto, aquele péssimo zagueiro do Botafogo nos anos 90, que pelo menos tinha mullets. Era um prazer gritar "Zeeeeeetti no gol!" ou "Vai se fuder, Viola!". Nós éramos brothers (só que eles ainda não sabiam...). 

Mas - tudo tem um mas - elas se tornaram exceção. Hoje, tive o desgosto de ver o time junior do São Paulo entrar em campo com 11 jogadores cujo nome parecia ser de deputados estaduais. Lucas Silva, Lucas Fernandes, Lucas Possignolo, Pedro Bortoluzzo, Gustavo Hebling, Gabriel Boschilia, Matheus Queiroz (nome de avenida da Zona Oeste), Leonardo Prado... No jogo do Santos, tínhamos Stefano Yuri, Lucas Otávio, Jorge Eduardo... No profissional, é um tal de Lucas Leiva, Lucas Moura, Lucas Piazon, Lucas Farias, Lucas Gaúcho, Lucas Prata, Rodrigo Caio, Diego Maurício, Maikon Leite, Paulo Miranda, Bruno Uvini, Alex Telles, Rafael Sóbis e assim vai... Esse fenômeno da leite-com-perização das alcunhas futebolísticas, sabe-se bem, ocorre graças aos players envolvidos com o negócio do futebol. 

O próprio presidente do Corinthians, o sábio Mario Gobbi, se notabilizou por afirmar que "Futebol é business". Quem sou eu pra duvidar? Dirigentes, empresários, marqueteiros, experts surgidos sabe-se lá daonde determinam: "Com esse apelido você não vai a lugar nenhum no futebol, garoto". E colocam um nome e sobrenome pro moleque ficar mais europeu, mais aceitável, mais Champions League, mais negociável. Afinal, estão engordando o gado para o abate. Estão, afinal de contas, posicionando o produto na prateleira. E, como sabe todo comerciante que se preze, o cliente (o colonizador, nesse caso) tem sempre razão. 

Hoje, quem fez o gol que classificou o São Paulo foi o Lucas Possignolo. Nada contra o rapaz, que é até um bom zagueiro, mas esse gol me fez pensar mais do que deveria... Fico torcendo muito pelo sucesso de jogadores como Foguete, Obina, Negueba, Pipico, Flávio Caça-Rato, Caramelo, Aloísio Boi Bandido e outros heróis da resistência dos nomes brasileiros. Eu não quero que meu filho tenha um herói chamado Lucas Possignolo. 

Ass: o (futuro) saudosista.

O Galo de Schrödinger e o Futebol Quântico

Texto publicado por nós antes da final da última Libertadores, entre Atlético Mineiro e Olimpia

O Galo de Schrödinger e o Futebol Quântico

O gato e o Galo de Schrödinger: um deles vai se dar mal
Popularizou-se na internet a história do gato de Schrödinger, aquela metáfora que explora algumas das consequências metafísicas das descobertas recentes e não completamente compreendidas da mecânica quântica. Funciona mais ou menos assim:
- Existe um gato numa caixa com uma bomba que tem 50% de chance de ter explodido (e matado o gato). Até abrirmos a caixa, não sabemos se a bomba explodiu ou não.
- No entanto, para a mecânica quântica, a bomba está constantemente explodindo e não explodindo ao mesmo tempo, até que alguém abra a caixa, quando uma das opções é definida. Ou seja, antes de abrirem a caixa o gato está simultaneamente vivo e morto.
- Assim, é a sua ação de abrir a caixa que define se a bomba tinha explodido (ANTES de você abrir a caixa) ou não.

É confuso e eu não sei se entendi (ou entendi e não entendi ao mesmo tempo?) o conceito do gato de Schrödinger, mas dada a situação do Atlético Mineiro, ouso mostrar como o jogo de hoje é análogo a este experimento. Apresento-lhes, então, o Galo de Schrödinger.
- O Galo está dentro de uma caixinha de surpresas (desculpe, mas textos de futebol tem que ter pelo menos um clichê) dentro da qual há uma bomba que pode estourar, e fazer do Atlético campeão continental, ou não. Nós não saberemos se isso aconteceu até o término do jogo.
- Para o Futebol Quântico, no entanto, o Atlético será eternamente campeão e derrotado ao mesmo tempo, até que o confronto chegue ao fim e alguém observe o que aconteceu "de fato".
- A grande vantagem do Futebol Quântico em relação à sua prima mecânica quântica é que podemos assumir a postura do gato (Galo, no caso). Ao estarmos dentro da caixa veremos o Atlético simultaneamente campeão e derrotado por 90 minutos, ora mais campeão, ora mais derrotado, mas ambos os estados juntos, ao vivo.
- No momento do apito final a caixa se abrirá e encontraremos um Galo campeão, como resultado inexorável daquele experimento, como se podia ver naquele pênalti do Tijuana, na virada histórica contra o Newell's, na alegria do time na 1ª fase, na inteligência do Cuca que ora ou outra se sobreporia ao "azar", na habilidade de Ronaldinho que sempre esteve lá, na malandragem do Kalil e na técnica menosprezada de Tardelli e Jô; OU encontraremos um Galo derrotado, como era óbvio que aconteceria dados todos os vacilos do time no mata-mata, resultado natural de uma equipe que toma tantos gols, consequência inescapável para quem joga um futebol arcaico e marca individualmente, castigo para quem acredita num fdp de um Ronaldinho, choque de realidade para os iludidos com o pé frio do Cuca e confirmação do que sempre se soube do Galo.
- Ao abrir a caixa você só vai encontrar UM desses Atléticos e por mais que saiba que o outro poderia estar lá estava lá até aquele momento, não vai mais conseguir vê-lo. Por isso, aproveite os 90 minutos dentro da caixa, oportunidade única e invariavelmente efêmera que o Futebol Quântico nos proporciona.


A caixa na qual está o Galo, na visão deste

Torcidas GLS são torcidas?

Texto escrito por nós ano passado

Torcidas GLS são torcidas?

Há mais ou menos um mês, surgiu na imprensa esportiva a notícia de uma fanpage no FB de uma torcida-gay do Atlético Mineiro e essa semana saiu outra de que o trio de ferro paulista também tem as suas. Não vejo muito como se discutir se quem criou as fanpages está certo ou errado, se tem o direito ou não, afinal gays são pessoas normais tão normais quanto o resto da população e parte deles deve gostar de futebol. Assim como existem comunidades virtuais de judeus corinthianos (deveria se chamar "duas pragas" - eu posso fazer a piada, sou judeu), são-paulinos de tal escola, palmeirenses de determinado bairro, etc, faz sentido os homossexuais de tal time desejarem se comunicar.

O fato, no entanto, gerou revolta dos torcedores heterossexuais (exploraremos o motivo disso mais pra frente), como era de se esperar e tal qual é o objetivo das fanpages. E aí é que reside a minha única questão com essas páginas: elas usam o nome dos times e a paixão que seus torcedores têm por eles em prol de sua causa (causa muito justa e praticamente indiscutível), sem dar ao time a importância que ele tem para esse torcedor. No momento em que escrevo esse texto, dos 10 últimos posts de cada página, em média apenas 2,5 tratavam de assuntos dos respectivos times (GaloQueer - 4, Bambi Tricolor - 3, Corinthians Livre - 2, Palmeiras Livre - 1. Os likes tinham quase a mesma proporção: 26%). Ou seja, a proposta é dizer "gays são tão torcedores quanto vocês, nós somos normais e isso aí que vocês se identificam tanto e tem tanto orgulho, pode ser nosso também! Não se sintam superiores ou diferentes por gostarem de futebol, nós também gostamos!", mas o que eles terminam fazendo é simplesmente associar o nome e símbolo do time a uma fanpage GLS. Termina sendo mais uma provocação do que uma demonstração de igualdade.

Eu até entendo a provocação, ainda mais se tratando de um público que tende à ignorância e, principalmente nas torcidas organizadas, cultua a intolerância, mas ao colocar em segundo plano algo sagrado para os outros não se gera um sentido de igualdade, que deveria ser o objetivo de tudo isso.

Uma segunda questão é: por que incomoda tanto aos torcedores "tradicionais" que existam e se assumam torcedores homossexuais de seu time? A princípio, quanto mais torcedores do seu clube, melhor, não? Psicólogos diriam que é uma tentativa de reprimir no outro algo que deseja-se reprimir em si próprio, o que de fato deve contar para tal reação generalizada. Mas há, também, outro fator: no futebol todos querem ser vencedores, ricos, fortes e viris - e por mais que saibam que não há vergonha em perder, ser pobre e frágil, ninguém quer isso para seu time (e ser gay é visto como algo ruim). Quando a rivalidade entre em cena a coisa piora, porque além de você querer se convencer que é foda e seu time é o melhor do mundo, o outro perceberá qualquer sinal de fraqueza para te colocar para baixo e se sentir ele o fodão (é triste mas é assim). Se somarmos a isso o habeas-corpus da incoerência que o futebol proporciona (um corinthiano comunista é perfeitamente capaz de defender que seu time ganhe mais dinheiro da Globo porque dá mais audiência), fica praticamente automático para todos negar espaço para essas torcidas-gay.

O objetivo do movimento, então, deveria ser acabar com essa associação homossexualidade=defeito no futebol, mas levando em conta a dificuldade apontada só vejo um caminho para isso, e ele está no 1o ponto levantado: as torcidas-gay tem que ser de fato torcidas. O único jeito de não fazer mais sentido pra uma torcida xingar a outra de "bicha" é colocar gente que se identifique como do movimento no estádio todo jogo apoiando o time, mostrando que, de fato, são iguais.

Enfim, não estou defendendo que as torcidas "Livres" não existam, que o que está aí é certo, que uma torcida chamar a outra de "viado" e que isso seja visto como desmoralizante seja normal ou tentando justificar a reação dos torcedores. Esse texto é apenas uma tentativa de analisar, entender e explicar o que se passa na cabeça de um torcedor quando vê uma notícia dessas na página de seu time. Espero que ele contribua pra que a discussão saia de um "Futebol é coisa de macho" X "Todos os males do mundo vem do machismo e homofobia e colocar qualquer contraponto à nossa luta é ser cúmplice do ódio histórico e da morte de milhões de pessoas"

Resumo:
1- Nada contra as "torcidas-gays", mas o que se vê aí (com exceção da Galo Queer, talvez) não são torcidas e o resultado disso é mais provocação do que empatia
2- No futebol ser "bicha" é um defeito. Pedir para um torcedor assumir um defeito de seu time em nome de uma causa (por mais que ela seja justa) as vezes é demais. Ele não está disposto a discutir se aquilo é de fato ruim ou não, ele sabe que é visto como ruim e quer "defender" seu time daquilo

3- O texto não tenta justificar tal situação, apenas explicar como o torcedor se sente
4- Para quebrar tudo isso, uma torcida-gay tem que ser tão torcida quanto as outras

Futebol e a TPM masculina

Texto publicado por nós ano passado

Futebol e a TPM masculina


Uma das coisas que faz do futebol algo tão real e única é a certeza inabalável daquilo que sentimos durante um jogo, até o próximo gol. No dia 17/03/2013 o São Paulo recebeu o Atlético Mineiro com míseros 4 pontos em 5 jogos, enquanto seu adversário de Minas tinha 100% de aproveitamento até ali. Na cabeça do sãopaulino, o time simplesmente não era bom o suficiente para suas três cores e não tinha como dominar um time da qualidade do Galo - podia até ganhar, mas nunca subjulgaria o adversário. Já na atleticana, sua diretoria finalmente tinha montado o melhor time do mundo, daqueles que não importa o adversário ou local, sempre ganhará, pela simples impossibilidade da derrota.

Eis que o São Paulo venceu e convenceu, virou - para seu torcedor - um time aguerrido e com chances de honrar sua camisa enquanto o Atlético levantou dúvidas na cabeça de seus fiéis, que superficialmente foram jogadas para baixo do tapete na esperança de que sem seus desfalques aquilo jamais aconteceria. E numa ironia dos deuses da bola, as duas equipes se cruzaram novamente, 15 dias depois.


Não foram necessessários nem 10 minutos de jogo, algumas boas chances criadas, um gol em jogada coletiva e o domínio do jogo para o sãopaulino descobrir que na verdade era seu o melhor time do mundo, que estava escondido nas 200 bolas na trave daqueles 5 jogos anteriores, no pênalti estranhíssimo dado pelo juiz no Pacaembu (e outro não dado, cuja reclamação propiciou 4 jogos de suspensão para Luis Fabiano), no tempo de entrosamento e de craques como o Ganso pegarem ritmo, enquanto finalmente se revelava a falsa que era esse Atlético-MG e seu astro que não fazia nada quando bem marcado. Finalmente a verdade viera à tona e todo o sofrimento e fé (pra usar a palavra do momento) valeram a pena. O que ele, torcedor, já sabia, agora era público!

Eis que depois de algumas chances desperdiçadas - que apenas retardavam o inexorável 3x0 - Lúcio é expulso, deixa o time com 10 e o placar final esperado em 1x0. Alguns minutos depois, Ronaldinho mostra que tudo não passou de um sonho, que o Atlético que é o melhor time do mundo, com "espírito de Libertadores", daqueles que ganha dentro e fora e que pode passar por dificuldades colocadas por times fracos em momentos inspirados, mas que no final sempre se sai bem. Pro torcedor sãopaulino volta o time indigno e a sensação de fraqueza, de simplesmente não ser bom o suficiente praquilo.


Passado o jogo, vemos que ambos os times são muito bons, sim. Que o São Paulo está jogando muita bola e que o Atlético teve qualidade demais para explorar a situação que lhe surgiu. Vemos que Ganso não está acabado, que em dupla com Jadson pode render muito e que o São Paulo tem time pra ir longe nessa libertadores, o que talvez não aconteça. Já o atleticano percebe que pode ser que tenha o melhor time do mundo, mas que existem outros tão bons quanto, que é capaz de ser campeão, mas vai ser foda. Enfim, percebemos que todas as nossas certezas durante o jogo, apesar de estarem certas, no final estavam erradas. Mas qual seria a graça se não fosse assim?

Atitudes Alemãs

Texto escrito por nós antes da última final da Champions, entre Bayern e Borussia

Atitudes Alemãs

Quando pensamos em alemães sempre nos vem a cabeça pessoas sisudas, extremamente racionais, sérias, fiéis àquilo que acreditam e muito planejadas. É possível que tudo isso seja verdade, no entanto, atitudes dos presidentes dos dois clubes finalistas da Champions deste ano nos mostram nuances não tão óbvias deste modo de pensar e ver o mundo.

"Para nós, torcedores não são como vacas que você
 tira tudo que eles tem e pronto.  Essa é a diferença
 entre a Alemanha e a Inglaterra"
O presidente do Bayern de Munique, Uli Hoeness, declarou que podia cobrar o triplo do que cobrou pelos ingressos de arquibancada do jogo contra o Barcelona que provavelmente o estádio estaria lotado do mesmo jeito, mas que decidiu não fazê-lo "porque futebol não é só dinheiro" e que a quantia que ganharia a mais "é deixada de lado em 5 minutos numa negociação de jogadores ou salários, enquanto que para o torcedor faz muita diferença".  Ou seja, ser racional não significa necessariamente cobrar o máximo o tempo todo, nem maximizar o resultado financeiro do clube, mas sim se questionar e pesar prós e contras das soluções propostas para as questões levantadas, sem adotar um único parâmetro para a decisão.

Presidente do BVB temeu ter um ataque do coração
Já Hans-Joachim Watzke, presidente do Borussia Dortmund, declarou que nos minutos finais do confronto de seu time contra o Real, quando um gol os tiraria da decisão e colocaria um ponto final em sua Cinderela Story, foi para o vestiário para não ver o jogo, quase que num ataque de pânico. Contou que tampou os ouvidos e passou 5 minutos olhando apenas o relógio e imaginando todos os resultados possíveis. Mostrou que além de emoções, alemães tem, também, coragem de admití-las (talvez porque seus torcedores não sejam tão cornetas quanto aqui?)

Que o resultado desse modo alemão de ver o mundo e o futebol nos traga um belíssimo jogo!

Bem vindo!

Existem infinitas maneiras de se analisar, explicar ou contar o que aconteceu em 90mins dentro de um campo de futebol. Algumas dessas maneiras são completamente opostas, normalmente uma diminuindo ou desmerecendo a outra, colocando-a em segundo plano e quase que falando "isso aí pode até existir, mas quem não é ingênuo sabe que o que conta mesmo é outra coisa".

Os mais objetivos analisam as estatísticas de cada jogador e dos times para detectar virtudes e defeitos, depois da partida apontam por onde se deu a vitória e, acreditem, os bons conseguem expressar a beleza do jogo através de números e gráficos (de calor, de passes conectados, etc). É objetivo, verificável, está ali.
Próximos a esses estão os que percebem os padrões de posicionamento e movimentação dos jogadores e assim desenham certa ordem no caos que toma lugar entre o apito inicial e o final, explicando o que aconteceu no jogo com a ajuda de campinhos e flagrantes táticos. Faz muito sentido, futebol é um esporte coletivo, é quase burrice discordar.

Há aqueles que analisam o desempenho técnico dos jogadores, e quem vai negar que, apesar de toda tática, se o atacante não tivesse acertado aquele chute sem ângulo - que terminou no ângulo - o resultado seria completamente diferente? De que adiantaria subir as linhas de marcação se o volante adversário tivesse acertado um passe e permitido que os meias e atacantes aproveitassem o espaço deixado? E se o zagueiro tivesse chegado meio segundo antes na bola, o gol de jogada trabalhada sairia?

Outros vão pela psicologia e parece indiscutível que cada time entra com determinado ânimo em campo, que termina sendo refletido em sua postura e invariavelmente no resultado, mesmo que de maneiras imprevistas à priori. O time que precisa da vitória pode superar todas suas desvantagens técnico e táticas e vencer o jogo, já o que entrou confiante pode sofrer um revés inesperado e não saber como agir, o time desesperado pode começar bem e deixar a vitória escapar de bobeira, e assim vai.

Quem vai no estádio advoga que o resultado está ligado (ou pelo menos pode ser contado pela ótica) à conexão entre time e torcida. Quem está lá sabe que isso é real e que influencia o resultado. Os mais românticos podem admirar a beleza e ritmo de um time que joga bem, esperando que isso garanta uma vitória.

Podemos adotar uma visão histórica e mostrar o estigma de cada clube, do confronto entre eles e o que aquelas camisas carregam ao entrarem em campo juntas. Um tabu, uma desavença no passado, uma freguesia, um jogador que trocou de lado, tudo isso parece criar uma lógica universal que rege a partida, apenas usando técnica, tática e psicologia como ferramentas para o desfecho inescapável.

Muitas vezes a explicação pode se dar fora do futebol. O documentário Two Escobars mostra como a magia, resultados e estilo de jogo que encataram o mundo da Colômbia de 1993-1994 acompanharam o momento da sociedade colombiana, bem como a derrocada na Copa e posterior assassinato de Andres Escobar.

E, finalmente, podemos lançar mão de explicações completamente metafísicas (o que seria do futebol sem a metafísica?*) que muitas vezes estão muito mais certas que todas as outras juntas. Quem acompanha sempre um time sabe que quando é pra acontecer, acontece.

Assim, todo dia é publicado muito conteúdo interessante em cada uma dessas linhas, ou combinando várias delas, sobre partidas específicas e sobre tudo o que envolve o futebol. Este conteúdo está disponível a qualquer um com acesso à internet e geralmente é grátis. Mas, mesmo assim, o "João Sorrisão", a festa dada pelo Neymar ou uma polêmica vazia inventada numa redação qualquer terminam dominando o noticiário esportivo. É para mostrar para as pessoas que esse conteúdo já existe e é acessível, ao mesmo tempo em que expomos nossa visão sobre o futebol, que criamos o Sem Firulas, na esperança de que a qualidade vença a chuleza.

* E da metafísica sem o futebol?