sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A camisa do Galo e o método socrático

A internet é uma das tecnologias mais importantes para a nossa sociedade: permite que nos comuniquemos com todos os lados do mundo instantaneamente, que um volume inimaginável de informação esteja disponível a qualquer hora do dia e que façamos em minutos tarefas que antes demoravam horas. Em uma coisa, no entanto, a internet parece ter falhado miseravelmente: promover o diálogo. O exemplo mais recente foi a apresentação das novas camisas do Atlético Mineiro, que contou com modelos de biquini desfilando o manto atleticano e suas bundas. A polêmica sobre a validade da ação rapidamente tomou conta do facebook e como sempre de maneira binária: um lado acusando o clube e aqueles que gostaram da ação de machistas e segregadores e o outro diminuindo as críticas a mimimi e gritando que é por isso que o futebol está chato (inclusive relacionando tal pensamento à derrota por 7x1, por menos sentido que isso faça).
A possibilidade, nos dada pela internet, de ter milhões de pesssoas juntas para que dalí aparecessem argumentos interessantes e um diálogo entre visões de mundo diferentes foi rapidamente exterminada pelo domínio de argumentos rasos, pela raiva (muita raiva!) e por uma competição por quem grita mais alto (seja através de memes, seja por palavras de ordem como "mimimi" ou "não passarão"). Depois de dois ou três comentários ninguém mais estava interessado em expor o seu lado, entender o do outro e disso produzir uma visão mais profunda e completa da sociedade: todos se empenhavam única e exclusivamente em tentar gritar mais alto que o inimigo e assim sufocá-lo. Lá pelo décimo comentário já se observava o uso de falácias, mentiras e mais preconceitos sem qualquer compromisso com a verdade, com o respeito ao próximo ou com a evolução do diálogo. O importante era silenciar o outro lado, seja por um flood de palavras de ordem, seja tentando envergonhá-lo por pensar diferente. Muitos desses "debatedores", imagino e espero eu, percebiam que estavam fazendo algo errado, mas achavam que por se julgarem certos tinham o direito de inviabilizar o diálogo se isso garantisse uma vitória. É o ruim e velho "os fins justificam os meios".
O Sem Firulas não acredita nesse modelo de discussão: se a internet é isso então vamos fechar a página e voltar pra mesa de bar, porque lá ao menos olhamos nos olhos do outro e nos damos uma chance para entender porque ele pensa diferente. Como tentantiva de, pelo menos aqui, termos um diálogo de fato listamos algumas perguntas para cada lado da questão. Recomendamos que cada um só leia aquelas dirigidas a si, o intuito é desafiar - tornar sua visão mais completa, ampla e forte - e não reforçar aquilo que você já acredita, mas claro, fiquem a vontade para comentar qualquer uma delas:

Para quem acha o desfile normal e a reclamação "mimimi"
- Você não acha que classificar a reclamação de alguém como "mimimi" é fazer pouco caso com algo que para a pessoa é importante? E que no futuro algo que seja relevante para você pode vir a ser descreditado da mesma maneira? Simplesmente matar a discussão não é ruim para todos?
- Por que o futebol tem que ser somente para os homens? Se as mulheres se interessam por futebol, não pode ser interessante e agradável ir no jogo também com elas, debater com elas, etc? Daí não pode sair muita coisa legal?
- Se os homens gostam de ver desfiles e bundas de fora mas isso incomoda as mulheres, por que não o fazer em eventos voltados só para homens? Entendemos que até hoje o futebol era um desses meios, mas, convenhamos, 22 homens suados correndo atrás de uma bola não é o cenário ideal para se ter desejos sexuais por uma mulher.
- Você se sentiria bem num lugar com mulheres vestidas normalmente e homens semi-nus?
- Do ponto de vista do clube, não é simplesmente burro você ativamente excluir metade da população do seu público-alvo? Os torcedores atleticanos comprarão a camisa de qualquer jeito, as torcedoras ainda tem que ser convencidas disso.

Para quem acha o desfile inaceitável e sua defesa machismo
- Não é perigoso classificar toda manifestação de machismo da mesma forma, sem discutir o contexto e em que grau aquilo foi preconceituoso?
- Não deveríamos fazer com que as pessoas amadurecessem a ponto de terem contato com um desfile desses sem que isso as levassem a ser machistas? Não estamos criando um tabu e uma caça às bruxas que cada vez proibirá mais coisas mas nunca atingirá seu objetivo?
- Um dia a sociedade pode se tornar equilibrada, mas sempre haverá meios mais pensados para homens, meios mais pensados para mulheres e outros "neutros". Por que o futebol - ou o marketing de um clube - não pode ser um desses voltados para o público masculino?
- Em Janeiro o CRB lançou seu uniforme de maneira muito similar à do Galo, as fotos ficaram famosas no meio do futebol na internet e não houve uma reação como agora. Não é forçar a barra tratar como absurdo agora o mesmo fato que há pouco mais de um mês foi visto como normal? Não é até sacanagem com quem sempre viu isso com naturalidade agora querer rotulá-lo de machista?