sexta-feira, 15 de agosto de 2014

São Paulo 2x2 Palmeiras - Rio-São Paulo 2002

GRANDES PALMEIRAS x SÃO PAULO
Esse final de semana tem Choque-Rei e por isso pedimos a sãopaulinos e palmeirenses que contassem qual jogo entre as duas equipes foi especialmente marcante para eles.

Pedro De Luna escolhe um improvável São Paulo 2x2 Palmeiras no Rio-SP de 2002 (o jogo decidido nos cartões) e tem ótimos motivos para isso:

"Aquele São Paulo x Palmeiras em que eliminamos os caras por cartões, na semifinal do Rio-SP de 2002 é certamente minha lembrança mais forte do Choque-Rei.

Eu mal me lembro do jogo em si e tenho um bom motivo pra isso. Tinha 13 anos na época e consegui o privilégio de entrar com os jogadores em campo. O primeiro jogo, se não me engano, tinha sido 1x1, com gol do Rogerio, e eu também tinha entrado com o time, pela primeira vez na vida - naquele dia, adentrei o relvado com o Emerson, zagueiro de triste lembrança para nós, tricolores.

Para tanto, você precisa ir vestido com o uniforme completo. Eu fui, mas levei uma blusa preta pra pôr por cima. Meu pai parou o carro, sabe-se lá por que, num lugar meio afastado do estádio, algo como uma zona mista, que nos obrigava a passar pelo meio da torcida do Palmeiras pra entrar - e lembremos que eram tempos em que a divisão de ingressos era 50-50%... Pois bem, quando passava no meio da massa alviverde, ouvi algumas piadas, uns "eae viadinho", mas tudo num clima light. Entrei tranquilo.

Fui para a área onde os mascotes aguardavam a liberação pra entrar no campo, ali onde o ônibus para. Só tinha pivetinhos e eu era o mais velho. Fiquei circulando, me lembro de ter visto Pedro Bassan, repórter global, passando blush (sim) no rosto e de ter cumprimentado o Luizão, então massagista do São Paulo e da Seleção Brasileira na Copa de 94. Ele acenou com a cabeça como quem estranhava muito o fato de um pré-adolescente saber o seu nome e seu rosto.

França, meu grande ídolo da vida, já estava negociado com o Bayer Leverkusen, e meu intuito era, a qualquer custo, entrar com ele. Fiquei muito triste quando soube que ele foi vetado pela lesão no adutor que sofreu no meio daquela semana, quando perdemos pro Corinthians pela semifinal da Copa do Brasil. Me posicionei na boca do túnel e o primeiro a subir foi Fabio Simplicio, que, eu observei, tinha ficado orando sozinho dentro do túnel por uns 3 minutos, antes de ser abraçado longamente pelo Milton Cruz, que lhe passava palavras de força. Simplicio subiu dando um berro a plenos pulmões, o que provavelmente assustou todos aqueles fedelhos esperançosos.

Kaká foi o segundo a subir e eu fui junto com ele. Vieram mais uns 8 mascotes nesse rabo de cometa e eu falei "Vai pra cima do Magrão, Kaká. Pra cima do Magrão!". Ele meio que ignorou. O time tirou foto e eu fiquei ali, junto, no bolo, e jamais me esqueço que Reginaldo Cachorrão comentou com o Sandro Hiroshi - ambos reservas: "Ô Sandro, esse aí já tem tamanho pra entrar no campo com a gente, hein?". Hiroshi e eu rimos. (mal desconfiava o Cachorrão do quão irônico era fazer piadas com idade com o Sandro Hiroshi)

Fim da Parte I

Parte II
Começou o jogo e eu fui pra cativa assistir com meu pai e meu primo, 2 anos mais velho. Lá, a maioria era são paulina, mas tinha muito palmeirense também. O jogo foi tenso, como muitos lembram, cada cartão amarelo era comemorado feito um gol pelas arquibancadas (proj. Eduardo José Farah) e, em dado momento de desvantagem, a torcida perdeu a paciência com o Kaká. A cativa, como eu tão bem sei, começou a xingá-lo de tudo que é possível. Eis que um cara se levanta e manda pararem. Ninguém parou. O cara levantou de novo e falou "porra, olha aqui, essa aqui é a mãe dele, e aqui o pai e o irmão!". Os gritos de filha da puta nem assim cessaram.

No fim, o São Paulo passou, e meu pai quis ir embora assim que o juiz apitou. Eu disse: "Opa, nem fodendo. Eu tô aqui com esse uniforme completo do rival que acabou de eliminar os caras, e você vai obrigar teu filho a passar no meio do furacão?". Ele concordou. Ficamos nós 3 lá dentro esperando, por 1 hora ou um pouco mais. Quando saímos, o estádio estava vazio, completamente. Já estava escuro, descemos a rampa, passamos pela Jules Rimet também vazia e eis que, das TREVAS, surge um cara de 1,90m e pouco, olhar mau, camisa da Mancha Verde, atravessando a rua na nossa direção. "Tio, tio, deixa eu ver esse calção do moleque aí!". Eu estava com o moletom preto por cima da camisa do São Paulo, mas o calção branco, cujo símbolo eu tampava com a mão, parecia ter me entregado. Meu pai (nota da redação: 1,71m de altura) tomou a frente e falou: "Você não vai ver nada não". O cara parecia fabulosamente dopado, meu primo também ficou na frente, meio que me escondendo, e eu vi mais 2 caras da Mancha atravessando a rua na nossa direção.

Nem pensei. Sem meu pai e meu primo verem, saí correndo de volta para o estádio. Estava claro que ali ia dar merda. Tenho certeza absoluta que, se eu competisse nos 100m rasos olímpicos naquele momento, no mínimo um bronze eu ganhava. Corri pela minha vida, como nunca, desesperado, sem olhar pra trás. Os dois da Mancha vieram atrás. Subi a rampa de volta - dessa vez pras arquibancadas, e, para meu desespero, não havia uma alma viva lá dentro. Consegui despistá-los e, ofegante, deitei num degrau da arquibancada, me escondendo. Deu uns 2 minutos, eles me acharam.

Olhei pros caras, deviam ter seus 22/25 anos, uma puta cara de tontos, e me senti meio que como o Macaulay Culkin em "Esqueceram de Mim". Pensei comigo mesmo que eu tinha que medir muito bem as palavras e jogar um peso na consciência deles. Falei: "Caras, eu não fiz absolutamente nada pra vocês, não sou de organizada, não tô provocando ninguém, só queria ir pra casa com a minha família. Não estraguem a vida de vocês fazendo isso com uma criança, ainda mais dentro do estádio. Vocês devem ter família também". Eles se entreolharam, cochicharam algo e falaram: "Dá o uniforme aí". Eu dei a camisa. "Todo!". Eu tive que dar o calção e o meião também. Sabe-se lá como, meu pai e meu primo me acharam lá dentro, e eu estava de cueca dentro do estádio do Morumbi. Uma cena completamente surreal. Pra ir embora, tivemos que bater numa daquelas portas nos aneis laterais do estádio, onde ficam os vendedores de pipoca, amendoim, picolé e salgadinhos. Peguei um avental emprestado deles pra ir até o carro e vazei.

Ao saber do incidente, meu outro primo palmeirense, 11 anos mais velho, ficou transtornado, em choque mesmo. Ele veio um dia daquela semana e falou: "Peraí só um pouquinho". Foi buscar algo no quarto dele. "Toma". Era uma camisa do Palmeiras, daquela listrada, da Parmalat, original, do Evair, e uma tesoura. E disse: "Pode rasgar. Essa merda não tem mais valor pra mim. Filho da puta nenhum vai levar meu primo de mim". Apesar do lindo gesto, eu não rasguei a relíquia dele.

CAUSOS DA BOLA."