sexta-feira, 27 de março de 2015

Funcionamento do 3-4-2-1 do Liverpool 2015

A diferença nos resultados do Liverpool em 2014 e 2015 é impressionante e a simultaneidade da virada do ano com a troca de esquema tático faz a atribuição dos louros das vitórias recair sobre a decisão de Brendan Rodgers (embora há quem conteste)

Responsável pelos resultados ou não, trata-se de um esquema interessante, que foge da moda do 4-2-3-1 (sem apelar para o 4-1-4-1, esquema que parece surgir como alternativa), dá segurança defensiva ao time e nos faz pensar sobre as alternativas que cada esquema traz.

Para essa análise foram usadas 4 partidas do Liverpool:
  • Liverpool 1 x 1 Chelsea - 20/01 - pela Copa da Liga
  • Liverpool 2 x 0 West Ham - 31/01
  • Everton 0 x 0 Liverpool - 07/02
  • Liverpool 2 x 1 Manchester City - 01/03
Os jogos foram escolhidos "aleatoriamente" (aqueles que eu consegui downloadar) e contam com um viés de ter 3 jogos em casa e apenas 1 fora, mas são contra rivais (exceção ao West Ham) e relativamente espaçados no tempo.

Formação Básica
O 3-4-2-1 do Liverpool poderia ser chamado de 3-4-3 ou até de 3-6-1 por aqueles que preferem simplificar as siglas linha de ônibus dos esquemas táticos. Ele é composto de:
  • 3 Zagueiros
  • 2 Volantes
  • 2 Alas
  • 2 Meia-atacantes
  • 1 Centroavante
Saída de Bola
Se a tendência no futebol atual parece ser a Saída de 3 (recuo de um volante - formando uma linha de 3 com os zagueiros - e avanço dos laterais), no Liverpool ela se dá de maneira ainda mais natural, pelo fato do time já contar com 3 zagueiros. Estes espalham-se de lateral a lateral e rodam a bola procurando os volantes. Os alas sobem e alinham-se aos meia-atacantes, mas quando o time é pressionado ou os volantes não conseguem se desmarcar alguém volta para dar opção.
 

Organização Ofensiva
Com a posse de bola os alas sobem e se alinham aos meia-atacantes, formando uma linha de 4 e obrigando a defesa adversária a se preocupar com toda a largura do campo. O centroavante se põe à frente e se movimenta bastante, já que não conta com um companheiro na região. A proposta do Liverpool é mais de velocidade do que de envolver o adversário, apostando em troca de posições, tabelas e ultrapassagens na região da intermediária ou em chutes de fora. Quando a defesa rival consegue se postar o time tem dificuldades em criar espaços, raramente se vê um meia-atacante infiltrando, puxando a marcação e abrindo espaço para que um volante suba e receba em condições de avançar ou enfiar uma bola, por exemplo.



Movimentações
O meia-atacante abre e cria espaço para o avanço do ala, que entra

Centroavante se movimenta e causa um erro defensivo no adversário
Participação (ou não) dos volantes na fase ofensiva:




Transição defensiva
Apesar de contar com 3 homens de frente, a retaguarda de 2 volantes e 3 zagueiros em último caso, o Liverpool pressiona pouco a saída de bola. Nos 4 jogos assistidos o time pressionou o adversário apenas em situações de necessidade ou propícias (um erro do adversário, por exemplo). Embora os jogadores próximos à bola tentem retomá-la ou atrapalhar a saída do jogador que a roubou, não se observa aquela urgência em não deixar o adversário jogar que se imaginaria num esquema com 3 atacantes (e que o Barcelona masterizou). Por outro lado, o time raramente sofre contra-ataques, seja pelo chão ou na bola longa, já que conta com 5 jogadores na retaguarda

Organização defensiva
A organização defensiva de um time sempre depende em parte de como o adversário ataca, mas de maneira geral, o Liverpool marca com 7 (zagueiros, volantes e alas) e pressiona com os 2 meia-atacantes - evitando que o adversário inverta a bola e explore o buraco deixado pela ausência de um 8o jogador na marcação (presente quando um time se posta em duas linhas de 4, por exemplo). Os alas tem um papel importante no esquema, alinhando-se aos volantes inicialmente (3-4) e recuando alternadamente quando o adversário avança (4-3). Esse movimento foi analisado minuciosamente por Eduardo Cecconi em seu Análises Táticas no Impedimento.org, mas infelizmente seus textos não estão mais online: quando o adversário ataca pelo flanco esquerdo da defesa o ala daquele lado dá combate, os 3 zagueiros basculam para a região e o ala do outro lado recua, fazendo o que o lateral direito faria num esquema com 4 atrás. Quando o ataque vem pela direita, o movimento é o contrário
4-3


7 marcando e os dois meia-atacantes prontos para pressionar uma bola atrasada

Marcação inicial: 4 no meio

Já postado com 4 atrás
Balanço dos alas



Contra-ataque
O contra-ataque acontece de maneira bastante natural e direta: como os meia-atacantes apenas cercam e marcam o recuo da bola durante a fase defensiva eles se tornam o alvo natural do jogador que rouba a bola, pois normalmente estão avançados e desmarcardos. Com a bola normalmente conduzem com velocidade em direção ao gol e têm como opção o outro meia-atacante, o centroavante e eventualmente um ala.

Variações
Nas 4 partidas analisadas o Liverpool se manteve bem fiel a sua proposta, mesmo quando perdia para o Chelsea em casa ou quando vencia o West Ham. A exceção foi o jogo com o Manchester City: preocupados com os ataques pelos flancos do time de Manchester, o Liverpool raramente se posicionou com 3 atrás, e depois de abrir 1x0 tentou com 9 jogadores em duas linhas: terminou deixando muito espaço entre elas e possibilitando a David Silva receber livre, bagunçar a defesa dos Reds e deixar Dzeko cara a cara com Mignolet pra empatar a partida.
4-5-1 com meia-atacantes marcando: duas linhas distantes deram muito espaço a David Silva

442 com um meia-atacante marcando e um ala virando lateral

532: preocupação com o jogo pelos flancos do City

541
Conclusões
O esquema montado por Brendan Rodgers deu muita consistência defensiva ao Liverpool: raramente se vê o time em desvantagem numérica - mesmo em situações de contra-ataque - e permite ao adversários poucas chances por jogo. Mesmo marcando com 7, a pressão dos dois meia-atacantes encaixota os meias adversários e faz com que a urgência de sair da situação desconfortável evite que a bola seja invertida para explorar o buraco decorrente da falta do 8o marcador. Assim, o Liverpool obriga o adversário a rifar a bola e, com uma cobertura eficaz dos 3 zagueiros, não deixa que o adversário tenha volume de jogo. O preço a ser pago é um ataque pouco envolvente, que aposta em jogadas rápidas no meio de campo ou em jogadas individuais - em especial os chutes de fora de Coutinho. Quando o adversário posta sua defesa, o Liverpool também termina tendo que forçar um passe na esperança que o talento individual de seus homens de frente supere a vantagem tática do adversário.
Há que se destacar a versatilidade do elenco do Liverpool: Cam joga de zagueiro ou volante, Gerrard de volante ou meia-atacante, Sterling de centroavante, meia-atacante ou ala, Lallana de meia-atacante ou ala, e assim em diante. Isso permite a Rodgers variar bastante o time durante a partida, colocando um centroavante no lugar de um ala, por exemplo. Tecnicamente os 3 zagueiros estão muito bem, Coutinho brilha como nunca e Markovic (ou seu substituto Ibe) sempre tem algo interessante para mostrar. Fica a vontade de ver o esquema com um elenco ainda mais qualificado, com um meia-atacante melhor do que Lallana, um ala esquerdo mais perigoso e um centroavante mais matador do que Sterling (Sturridge parece condenado a lesões). Taticamente, talvez valesse a pena liberar mais os volantes, mesmo que para isso se abra mão de parte da consistência defensiva.

Reflexão
A diferença tática fundamental entre Brasil e Inglaterra se deu na aplicação do 4-4-2 clássico: enquanto por aqui separamos o meio de campo entre volantes e meias - os primeiros não atacam e os outros não marcam - liberando os laterais para subirem e assim darem amplitude ao ataque, no lado de lá do Atlântico lateral é zagueiro e todos os jogadores do meio defendem e atacam (wingers e box-to-box). Ultimamente virou unanimidade que nosso modelo é atrasado e obsoleto e o 4-4-2 quadrado virou sinônimo de fracasso. Segundo esse raciocínio, dar moleza pros meias na fase defensiva nos fragiliza demais e ter volantes que só destróem é desperdício (curiosamente nunca fizemos o mesmo questionamento em relação a laterais que não sobem).
No entanto, é exatamente da terra da rainha que vem um esquema "moderno" que usa muitos princípios do modelo brasileiro de 4-4-2. Ao trocar um atacante por um zagueiro, o 3-4-2-1 do Liverpool tem jogadores pelos lados do campo que vem e vão em toda jogada, participando ativamente tanto da fase ofensiva quanto da defensiva (alas pra eles, laterais no nosso 4-4-2), volantes que pouco aparecem no ataque e meias que não marcam, apenas cercam e pressionam.
Sistemas táticos entram e saem de moda, importando mais como se aplica eles do que quais são seus números. Nunca podemos afirmar que sistema X é superior ou moderno e que Y é ultrapassado e não dá mais certo, sob pena de vermos Y dominando X num futuro próximo.