Eu tenho um
apreço especial por estréias. Além de todo o simbolismo que podemos tirar
delas, seja na hora do jogo ou ao final da temporada, gosto do encontro dos
times com sua torcida pela primeira vez no ano, das especulações de como o técnico
montará a equipe agora e de todas as possibilidades que projetamos ali, mesmo
que a probabilidade diga que aqueles serão os 90 minutos mais desorganizados de
nossa equipe no campeonato.
Quando fiquei
sabendo que o tricolor estrearia contra o Bragantino no Marcelo Stefani
(tecnicamente o estádio agora se chama Nabi Abi Chedid, nome do patriarca que sorrateiramente
controla o time, a cidade e a imprensa local há décadas, mas para mim ele terá
sempre o nome daquele que doou o terreno para a construção da casa bragantina)
me programei para visitar o interior paulista e comer um sanduíche de linguiça.
Bragança Paulista: um bom refúgio para o
futebol
Passando
por Mairiporã o 102,1 do rádio deixa de transmitir a Kiss FM e automaticamente
sintoniza a rádio bragantina (controlada pela família Chedid), nos incentivando
a arriscar um pouco mais nas tortuosas curvas da Fernão Dias e chegar logo a
nosso destino. Além de falar bem do Massa Bruta (sim, esse é o apelido do
Bragantino) e dar diversos detalhes de como o técnico deve armar o time (muito
mais do que temos aqui na capital, por sinal) o Pesadão (sim, esse é o apelido
do narrador), entre um elogio ao partido dos Abi Chedid e uma crítica à
oposição, vai criando um clima de jogo interiorano: importante e tenso, como
todo jogo de futebol deve ser, mas sem as desnecessárias seriedades que
experimentamos ao ir ao Morumbi, por exemplo.
Chegando em
Bragança tudo parece normal, até chegarmos ao lago do Taboão, há exatos 2.500m
da entrada da cidade. Ali já se vê flanelinhas (vindos de São Paulo) guardando
lugares suficientes para 2 lotações do jogo, inclusive a vaga da casa de um
amigo meu na qual eu planejava estacionar meu carro. Impedido pela máfia
flanelística paulista, me dirigí à rua adjacente à principal, mais próxima do
Marcelo Stefani, onde havia lugares vagos de graça. De lá subi a pé a última
ladeira antes de avistar o local no qual aqueles mesmos times tinham decidido o
Campeonato Brasileiro 23 anos antes.
Marcelo Stefani: onde todas as gerações se
encontram
Não foi
difícil encontrar o Serginho (esqueci de contar-lhes a respeito do Serginho: um
amigo meu de uns 60 e poucos anos que mora em Bragança e me ensinou que
Canhoteiro era tão bom quanto ou melhor que o Garrincha) e de lá rumamos para o
portão 2, por onde habitualmente entra a torcida das numeradas (ou
arquibancadas cobertas, vendidas a R$ 40,00
e que dão direito a comprar o carnê pro resto do campeonato por R$
20,00). Infelizmente neste ano alguém decidiu resolver o problema de brigas
entre locais e visitantes que nunca existiu e dividiu a a numerada ao meio, o
que nos fez ser barrados na catraca.
Enquanto
nos informávamos a respeito do novo portão para os são-paulinos começamos (o
Serginho começou, eu sou tímido demais para começar uma conversa com um
desconhecido, apesar do futebol ajudar nesse aspecto) a bater papo com um
senhor com a famosa camisa da época de Mauro Silva, Luxemburgo e cia,
expressões de quem havia muitas histórias pra contar e uma simpatia invejável.
Tratava-se de um são-paulino que havia nascido e crescido em Bragança e, mais
do que isso, jogado no time da cidade nos idos dos anos 50. Infelizmente alguém
"lá de dentro" logo apareceu liberando sua passagem, de modo que só
pudemos ouvir dois causos de nosso interlocutor antes de sairmos em busca de
nossa nova entrada, sem nem mesmo anotarmos seu nome e em que ano exatamente fez
parte do esquadrão local. Me martirizo até agora por esse irreparável erro
jornalístico (não estou acostumado a ser jornalista), mas tento dormir pensando
que se tivesse seu nome, o Google provavelmente me contaria que eu não tive uma
conversa com alguém tão interessante e importante pra história do Braga quanto
eu de fato tive, o que seria uma decepção ainda maior.
A entrada
lateral era uma completa gambiarra, e exatamente por isso funcionava: as filas
de dois setores se misturavam para se desmisturar na boca das catracas,
separadas por cercas de arame e um amontoado de material de construção (que provavelmente
seria usado para finalizar as obras da arquibancada descoberta até o final do
Paulista). Na revista os problemas de sempre, em especial quando a organizada
está com você: pode isso, não pode aquilo, boné com tal símbolo é proibido, a
menos que você tenha carteirinha com não sei qual outro, etc.
Ao
sentarmos no confortável (pelo menos até os 15mins do 1o tempo) e rústico
cimento das numeradas comecei a imaginar que futebol era aquele que permitia
que um Campeonato Brasileiro se decidisse ali, num estádio tão simples e que
possibilitava que o futebol fosse vivido tão cruamente. Quando me preparava
para passar a linha entre saudosismo do bem e saudosismo do mal, voltei à
realidade com uma boa notícia: a confirmação de que teremos pelo menos mais uma
geração apaixonada por este jogo. Um homem e seu pai que estavam sentados atrás
de nós viram seus dois descendentes subirem aqueles enormes degrais com uma
facilidade só acessível a menores de 16 anos gritando "Pai, pai, eu vi o
Rogério Ceni de perto!", "E o Ganso, vô!"
Estréia, estréia, futebol a parte
De dentro
do campo pouco a acrescentar, se entramos no jogo com esperanças do que Muricy
nos traria para este ano, empolgados com novos jogadores e sedentos por uma
apresentação tricolor, saímos de lá tentando nos convencer de que aquele
jogador que havia assinado há 6 meses mas só pôde estrear agora - e que valia a
pena tanta espera - só tinha tido um dia ruim, mas que ainda resolveria nosso
problema na lateral direita. A apresentação tricolor virou alvi-negra (com
toques amarelos), com um contra-ataque extremamente bem treinado (desde 17 de
Dezembro do ano passado, diga-se de passagi) que matou o jogo e nos mostrou que
o ano é novo, mas os problemas são velhos. Que venha o próximo jogo!
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